Certinho, padre, santo,
ingênuo, bonzinho. Já me chamaram assim, várias vezes. E, na
verdade, em todas elas acredito que estão me chamando de otário.
Afinal, o mundo é cruel e mesquinho não é mesmo? Para vencer, há
de ser esperto, ter malícia, não confiar em ninguém, jogar duro
com as pessoas, cultivar mais o egoísmo, ter ambição, pensar bem
grande. Se não agir assim, desculpa, mas parece que você não tem
muita chance neste mundo. Bonzinho só se fode, como dizem. Ou não é
bem assim que pensamos?
Olha, não pretendo
aqui para fazer uma ode à bondade (embora até devesse). Nem quero
me retratar como a laranja boa em meio às podres – nunca sabemos
exatamente que tipo de laranja estamos sendo. Mas no momento em que
se discute como nunca a intolerância do brasileiro com a corrupção,
também é hora de falar das relações de honestidade e
solidariedade aqui no mundo dos comuns. As questões que me movem
nestes dias são, por exemplo: “O que é ser bom?”, “Por que
ser bom?”, “Vale realmente a pena ser bom?”, “O que ganho
sendo bom?”, “Pensar no que ganho sendo bom já não anula parte
da minha bondade?”.
Me questiono porque
cada gesto bom é visto como extraordinário. Fora da ordem. Fora do
comum. Sempre fora. Nunca dentro. Dentro da normalidade. Dentro do
nosso cotidiano. Dentro de nós. O melhor mesmo é não ser tão bom
assim.
Acho que é isso que
define um pouco a 'sociedade psicopata' que estamos criando, como
disse Arnaldo Jabor na sua coluna de terça-feira (1), em O Globo. O
livro “Mentes Perigosas”, de Ana Maria Barbosa, aborda com mais
profundidade a psicopatia e aponta exatamente esse ambiente social de
poucos valores, obscuro e perigoso, em que devemos estar preparados
para passar a perna antes de sermos derrubados, como ambiente
perfeito para o êxito dos psicopatas.
O que vejo são pessoas
sem empatia, sem sentimentos, pouco confiáveis, egocêntricas sendo
o espelho para os outros. Como dizem Jabor e Ana Maria em seus
textos, a admiração pelos vilões e o fastio com os bonzinhos nas
telenovelas poderia ser um exemplo dessa inversão de papéis. A
batalha épica por um assento no metrô seria outro. Avançar o sinal
vermelho, mais um.
Atualmente, agir com
correção e seriedade é de dar vergonha. Bem visto o que não
confia em ninguém. Esse vai longe. Os bons jamais lideram com
eficiência. Os bons nunca vão comandar. Ninguém segue os bons. E
assim caminhamos. Todos já pensamos (ou continuamos pensando) assim.
Entretanto, se
analisamos como a humanidade chegou aqui, vamos perceber o quanto nos
apoiamos uns nos outros, o quanto somos seres dependentes do
coletivo. Para isso, é preciso um mínimo de confiança e respeito
nas relações sociais. Mas nos esquecemos disso. Mesmo que o
individualismo nunca tenha produzido nada de tão bom para nós.
E foi exatamente com
essa atitude que nos colocamos em situação de ameaça. A natureza
é implacável com nosso egoísmo. Uma lição que fazemos questão
de jogar fora todos os dias. Não importa se na rua ou na calçada do
vizinho. O que vale é se livrar desse lixo que é o compromisso de
ser bom. Temo os que têm a consciência limpa demais.
Ao som de “Onde está
a honestidade?” - Noel Rosa