domingo, 6 de maio de 2012

Entre o bem e o mal


Certinho, padre, santo, ingênuo, bonzinho. Já me chamaram assim, várias vezes. E, na verdade, em todas elas acredito que estão me chamando de otário. Afinal, o mundo é cruel e mesquinho não é mesmo? Para vencer, há de ser esperto, ter malícia, não confiar em ninguém, jogar duro com as pessoas, cultivar mais o egoísmo, ter ambição, pensar bem grande. Se não agir assim, desculpa, mas parece que você não tem muita chance neste mundo. Bonzinho só se fode, como dizem. Ou não é bem assim que pensamos?

Olha, não pretendo aqui para fazer uma ode à bondade (embora até devesse). Nem quero me retratar como a laranja boa em meio às podres – nunca sabemos exatamente que tipo de laranja estamos sendo. Mas no momento em que se discute como nunca a intolerância do brasileiro com a corrupção, também é hora de falar das relações de honestidade e solidariedade aqui no mundo dos comuns. As questões que me movem nestes dias são, por exemplo: “O que é ser bom?”, “Por que ser bom?”, “Vale realmente a pena ser bom?”, “O que ganho sendo bom?”, “Pensar no que ganho sendo bom já não anula parte da minha bondade?”.

Me questiono porque cada gesto bom é visto como extraordinário. Fora da ordem. Fora do comum. Sempre fora. Nunca dentro. Dentro da normalidade. Dentro do nosso cotidiano. Dentro de nós. O melhor mesmo é não ser tão bom assim.

Acho que é isso que define um pouco a 'sociedade psicopata' que estamos criando, como disse Arnaldo Jabor na sua coluna de terça-feira (1), em O Globo. O livro “Mentes Perigosas”, de Ana Maria Barbosa, aborda com mais profundidade a psicopatia e aponta exatamente esse ambiente social de poucos valores, obscuro e perigoso, em que devemos estar preparados para passar a perna antes de sermos derrubados, como ambiente perfeito para o êxito dos psicopatas.

O que vejo são pessoas sem empatia, sem sentimentos, pouco confiáveis, egocêntricas sendo o espelho para os outros. Como dizem Jabor e Ana Maria em seus textos, a admiração pelos vilões e o fastio com os bonzinhos nas telenovelas poderia ser um exemplo dessa inversão de papéis. A batalha épica por um assento no metrô seria outro. Avançar o sinal vermelho, mais um.

Atualmente, agir com correção e seriedade é de dar vergonha. Bem visto o que não confia em ninguém. Esse vai longe. Os bons jamais lideram com eficiência. Os bons nunca vão comandar. Ninguém segue os bons. E assim caminhamos. Todos já pensamos (ou continuamos pensando) assim.
Entretanto, se analisamos como a humanidade chegou aqui, vamos perceber o quanto nos apoiamos uns nos outros, o quanto somos seres dependentes do coletivo. Para isso, é preciso um mínimo de confiança e respeito nas relações sociais. Mas nos esquecemos disso. Mesmo que o individualismo nunca tenha produzido nada de tão bom para nós.

E foi exatamente com essa atitude que nos colocamos em situação de ameaça. A natureza é implacável com nosso egoísmo. Uma lição que fazemos questão de jogar fora todos os dias. Não importa se na rua ou na calçada do vizinho. O que vale é se livrar desse lixo que é o compromisso de ser bom. Temo os que têm a consciência limpa demais.

Ao som de “Onde está a honestidade?” - Noel Rosa

Um comentário:

Rafael Oliveira disse...

Excelente reflexão meu amigo. Muito boa mesmo! Não canso de repetir. Já passei, em partes, por esta situação em alguma época da minha vida. As vezes, as pessoas simplesmente julgam ou avaliam uma atitude que é certa, como se fosse algo extremamente raro, potencializam a coisa, parece até que ela se torna o errado. Estranho demais!

Há um outro tema que tb caminha paralelo ao que vc abordou, a superficialidade das pessoas e nas relações atualmente. Mas isso é tema para um post talvez... excelente trabalho Rafa!

Abração!